terça-feira, 1 de novembro de 2011

Não me digas mais nada. O resto é vida.

Sob onde a uva está amadurecida

moram os meus sonos, que não querem nada.

Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.

Sob os ramos que falam com o vento,

inerte, abdico do meu pensamento.

Tenho esta hora e o ócio que está nela.

Levem o mundo: deixem-me o momento!

Se vens, esguia e bela, deitar vinho

em meu copo vazio, eu, mesquinho

ante o que sonho, morto te agradeço

que não sou para mim mais que um vizinho.

Quando a jarra que trazes aparece

sobre o meu ombro e a sua curva desce

a deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,

por teu braço teu corpo me apetece.

Não digas nada que tu creias. Fala

como a cigarra canta. Nada iguala

Fernando Pessoa, Canções de Beber

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