Não me digas mais nada. O resto é vida.
Sob onde a uva está amadurecida
moram os meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.
Sob os ramos que falam com o vento,
inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!
Se vens, esguia e bela, deitar vinho
em meu copo vazio, eu, mesquinho
ante o que sonho, morto te agradeço
que não sou para mim mais que um vizinho.
Quando a jarra que trazes aparece
sobre o meu ombro e a sua curva desce
a deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,
por teu braço teu corpo me apetece.
Não digas nada que tu creias. Fala
como a cigarra canta. Nada iguala
Fernando Pessoa, Canções de Beber
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